quinta-feira, 1 de julho de 2010



“Alô. Oi, sou eu. Normalmente não gosto de falar com máquinas e deixar recados assim, mas é que hoje, enquanto tentava organizar minha gaveta, aquela em que jogo tudo dentro (contas a pagar, contas pagas, bilhetes, cartas antigas, canhotos de cinema), achei uma foto: eu, o Dé e a Sara. O tempo de começo de vida... Que saudade daquela época em que juntávamos os trocados para comprar um pote de sorvete e sentarmos na grama do parque, esperando a tarde ir embora... Hoje não temos tempo para perder o tempo. Nossa vida virou uma correria, uma luta diária para dar jeito em tantas responsabilidades. Mas tenho um orgulho, uma felicidade, uma alegria dentro de mim por saber que soubemos aproveitar cada pedacinho de nossas vidas; você foi uma grande companheira, uma parceira pra toda hora. Não estava na foto, porque era a alma generosa que guardava nossos lugares na fila, que carregava nossos casacos na sua grande bolsa xadrez (lembra?), que ajeitava todo mundo numa pose de fazer brotar lágrimas nos olhos antes de bater a foto. Você é a melhor pessoa que já esteve em minha vida. Quando puder, por favor, me liga; preciso muito te ver. Um beijo, tchau!”
Piiiiiiii!

Na verdade era isso que ele queria dizer:

“Hoje enquanto arrumava as minhas coisas fiz o que faço todos os dias: penso em você. Penso em como você é linda e do jeito que você me chamava de estranho. Que saudade de você, do Dé, de você, da Sara. Você é meu grande amor. Por favor, me liga. Beijos.”

João era muito tímido, mesmo quando não sabia de Lu. Ela sempre fora tão sociável, tão popular nem devia mais se lembrar de tudo que João nunca esquecera.

Dois dias antes da formatura ela simplesmente sumiu, João nunca desistiu dela. Ele era persistente. As pessoas diziam que ele era louco pra estar perdendo a vida com uma mulher que mal conhecia... Ele sempre respondeu a mesma coisa “Ela é minha vida”.

Eu até tenho uma explicação para a paixão de João: Lu foi a única que o viu como ele realmente é. Ela conseguiu ver por trás dos olhos castanhos e do jeito desengonçado dele. Ela o chamava de estranho de um jeito doce e depois sorria, apesar de dizer que sonhava ser como ele. João nunca esqueceu ultimo dia que a vira. Era inverno. Ela usava na cabeça um gorro lilás de modo que os seus cachos loiros caíam em seus ombros, um casaco rosa, um all star até o joelho e um Jeans esfarrapado. Ela estava linda. Ela pegou as mãos de João e disse:

- João... – Ele viu os olhos dela lacrimejarem. – eu vou ir embora.

- O que?

- Eu sei que você entendeu.

- Para onde?

- Não importa.

- Como eu vou te ver?

- João, - ela pensou um pouco e continuou, agora sorrindo um pouco – nunca me esqueça, você poderá me ver nas estrelas. Ache a mais estranha e você me achará.

- Lu eu não te entendo.

- Não há escolha. Tenho que ir. – Ele olhou em seus olhos e soube naquele momento que ela nunca mais voltaria.

- Você, é um anjo nunca poderá ser uma estrela estranha.

- Isso é o que eu quero.

- Mas – Antes que ele pudesse continuar e ela encostou os lábios nos de João, e fugiu enxugando as lagrimas.

Ele nunca a esqueceu. Nunca parou de procurá-la, já se passaram dois anos. Enviou cartas para todos os tipos de lugares, pessoas foram confundidas, telefonemas desesperados... Até googlou o seu nome no Google. Mas agora parece que ele tem certeza de que o numero está certo! E se não for, João nunca desistirá. Eu também acho que ele está louco, ela deve ter sorte.

O telefone tocou João esperou tocar uma, duas, três vezes e atendeu:

-Alô?

-Alô!

- Quem é?

- Eu que pergunto você deixou um recado agora mesmo.

- Você é Lucia Garcia?

- Não, mas ela está internada no hospital faz um tempo.

- Hospital? Qual?

A moça lhe disse, em seguida João desligou o telefone e foi para um dos melhores hospitais de câncer do Brasil. Quando finalmente chegou mandaram-no para o quarto 810.

Foi então que ele a viu e sentiu a base tremer, o mundo explodir, ele não soube o que dizer ela não o ouviria mesmo. Ele mal conseguia respirar. Ficou ali a olhando. Mas João não chorou, não desabou, não chorou, não fez nada a não ser por ficar parado com as mãos no vidro. E logo perceberia que os olhos dela não se abririam como nos filmes.

Sonhos de dois anos atrás hoje se realizavam, João gostaria que eles continuassem pendentes.

Ele decidiu por fim entrar no quarto. Ele encostou a mão em seu rosto, e murmurou alguma coisa para si mesmo. Ela pode ouvi-lo:

- João? – disse com os olhos ainda fechados.

- Lu, meu anjo, você esta bem?

- Não vou mais viver.

João não soube o que dizer. Só pode ouvi-la o mandando ir embora e, dessa vez, esquecê-la. Ela até argumentou dizendo que estava horrível, sempre com a voz fraca, isso fazia coração de João estremecer. Por fim ele saiu do quarto, mas não do hospital. Não sairia até ela morrer ou se recuperar como um milagre.

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